
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar a omissão do Congresso Nacional na regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) não é apenas um marco jurídico — é um retrato da negligência histórica do Legislativo em cumprir um comando explícito da Constituição de 1988. Trata-se de um daqueles raros momentos em que a Corte, guardiã da Carta Magna, precisa lembrar o Parlamento de que a democracia não se sustenta sobre a omissão.
O artigo 153, inciso VII, da Constituição é cristalino: cabe à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. Desde a promulgação da Carta, há 37 anos, esse dispositivo repousa adormecido, ignorado por sucessivas legislaturas que se esquivaram da responsabilidade de discutir o tema. A omissão, agora reconhecida pelo STF, é um fato incontestável e revela uma grave falha institucional.
O voto do ministro Luiz Fux, ao sustentar que a ausência de regulamentação seria uma “opção política” e não uma omissão, representa uma linha de raciocínio que, embora respeitável, confunde discricionariedade com descumprimento. A Constituição não facultou ao Congresso a escolha de ignorar o tema — impôs-lhe o dever de regulamentá-lo. Quando o Legislativo silencia diante de um mandamento constitucional, não se trata de liberdade política, mas de omissão inconstitucional.
A decisão do relator, ministro Marco Aurélio, ao apontar uma “crise aguda” e destacar o potencial arrecadatório do IGF, toca em um ponto essencial: a injustiça fiscal que marca o sistema tributário brasileiro. No país em que a classe média e os assalariados arcam com a maior parte da carga tributária — via impostos sobre consumo e renda —, os detentores das grandes fortunas permanecem praticamente intocados.
O imposto sobre grandes fortunas, ainda que de difícil implementação técnica, simboliza mais do que um instrumento de arrecadação: é uma questão de justiça distributiva e de efetividade da Constituição. O silêncio de três décadas não é um mero atraso legislativo; é a negação de um projeto constitucional que buscava, expressamente, reduzir desigualdades.
Há quem critique o STF por supostamente invadir a esfera do Legislativo. No entanto, o reconhecimento da omissão não implica criar o imposto, mas apenas exigir que o Congresso cumpra o que lhe foi determinado pela Constituição. Essa é, na verdade, a essência do controle de constitucionalidade: assegurar que os Poderes atuem dentro de seus limites — inclusive, quando o limite é o dever de agir.
O debate sobre o prazo — se o Congresso deve ou não ter 24 meses para editar a norma — é secundário diante da magnitude da constatação principal: o Parlamento falhou. A omissão legislativa não é neutra; ela tem consequências concretas, pois perpetua um sistema tributário regressivo e agrava a desigualdade social.
A decisão do STF não resolve, sozinha, o problema da desigualdade fiscal, mas acende um alerta. O Congresso precisa assumir a responsabilidade que lhe cabe. A Constituição de 1988 não é um cardápio opcional de direitos e deveres: é um pacto de justiça social que exige cumprimento integral.
Não se trata de demonizar a riqueza — mas de reconhecer que, em uma sociedade democrática, quem mais tem deve contribuir proporcionalmente mais. A omissão do Congresso sobre o imposto das grandes fortunas é, portanto, mais do que um descuido legislativo: é um obstáculo à própria ideia de justiça tributária.
Com a palavra, mais uma vez — e talvez pela última vez —, o Congresso Nacional.

Advogado e Consultor Jurídico. Mestre - UFT. Pós graduado em Direito Constitucional. Tributário. Penal e Processo Penal. Docência. Professor Universitário.
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