
A suspensão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de ordem judicial para o acesso a dados de IP reacende um debate central da sociedade contemporânea: até que ponto o Estado pode avançar sobre a vida digital dos cidadãos em nome da investigação criminal? A decisão provisória, motivada pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli, adia uma resposta que já se mostra urgente diante do uso cada vez mais intenso de dados tecnológicos como instrumento de controle e vigilância.
No voto já proferido, o ministro Cristiano Zanin foi preciso ao reconhecer que os chamados “dados de tráfego” não são informações neutras ou inofensivas. Registros de conexão, horários de acesso e endereços de IP, quando analisados em conjunto, são capazes de revelar hábitos, rotinas e até relações pessoais dos usuários. Trata-se, portanto, de uma interferência direta em direitos fundamentais como a privacidade, a intimidade e a proteção de dados pessoais — pilares do Estado Democrático de Direito.
.No voto já proferido, o ministro Cristiano Zanin foi preciso ao reconhecer que os chamados “dados de tráfego” não são informações neutras ou inofensivas. Registros de conexão, horários de acesso e endereços de IP, quando analisados em conjunto, são capazes de revelar hábitos, rotinas e até relações pessoais dos usuários. Trata-se, portanto, de uma interferência direta em direitos fundamentais como a privacidade, a intimidade e a proteção de dados pessoais — pilares do Estado Democrático de Direito.
A controvérsia exposta na ADC 91 evidencia uma tensão recorrente: de um lado, autoridades policiais e o Ministério Público buscam celeridade investigativa; de outro, cidadãos e provedores de internet defendem limites claros à atuação estatal. Permitir o acesso direto a dados de IP sem autorização judicial significa abrir uma perigosa brecha para abusos, normalizando a vigilância sem o devido controle institucional. Não por acaso, o Marco Civil da Internet foi concebido justamente para equilibrar esses interesses, exigindo ordem judicial para o compartilhamento de informações sensíveis.
Zanin acerta ao diferenciar dados cadastrais básicos — como nome e endereço — dos dados capazes de identificar comportamentos digitais. Essa distinção é essencial. Enquanto os primeiros possuem caráter mais objetivo e limitado, os segundos permitem a construção de verdadeiros perfis digitais. Na sociedade da informação, como bem destacou o ministro, não existem “dados insignificantes”. O cruzamento de informações transforma pequenos registros em narrativas completas sobre a vida de alguém.
A proposta de exceções apenas em casos extremos de urgência, envolvendo riscos iminentes à vida ou à liberdade, parece razoável e proporcional. Ainda assim, o controle posterior pelo Judiciário é indispensável para evitar que a exceção se torne regra. Sem esse freio, o discurso da urgência pode facilmente ser utilizado como justificativa para práticas arbitrárias.
O adiamento do julgamento para 2026 é preocupante. Enquanto o STF não define parâmetros claros, provedores seguem pressionados por requisições diretas e cidadãos permanecem vulneráveis à ampliação silenciosa do poder estatal sobre seus dados. Em um cenário de crescente digitalização, a demora em decidir também é uma forma de decisão — e, neste caso, uma que fragiliza direitos.
Mais do que uma disputa jurídica, o tema envolve a escolha de qual modelo de sociedade se deseja construir. Uma democracia sólida não prescinde de investigações eficazes, mas tampouco pode aceitar que a eficiência se sobreponha às garantias fundamentais. A exigência de ordem judicial para o acesso a dados de IP não é um obstáculo à Justiça, mas uma salvaguarda contra o arbítrio. O STF, quando retomar o julgamento, terá a responsabilidade histórica de afirmar que a Constituição também protege o cidadão no ambiente digital.
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